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Pedimos licença a você, leitor, para um pequeno exercício metalinguístico antes de começar a análise propriamente dita. A princípio, pode-se imaginar que a forma de avaliar videogames permaneceu inalterada desde que as primeiras revistas especializadas surgiram, lá no início da década de 1990. A crucial diferença com o passado, no entanto, é que em tempo de patches, DLCs e atualizações, não é mais possível considerar esses artigos como opiniões finais.
Todo tipo de problema com um jogo pode ser corrigido literalmente no dia seguinte, invalidando a reclamação. Dessa maneira, o review tem seu valor como foto histórica, mas muitos de seus pontos (incluindo a nota atribuída) podem ou não ser válidos após algum tempo.
Isso não é exatamente novidade, sendo aplicável a qualquer título atual, em todas as plataformas. O que existe de particular em Street Fighter V para tornar necessária esta introdução é o fato de que, apesar de se mostrar robusto o suficiente para se tornar o líder soberano dos jogos de luta da atualidade, seu grande potencial reside no horizonte próximo, mais precisamente nas promessas feitas pela Capcom. E sendo inadmissível fazer análises baseado em como será no futuro, é nosso dever apontar o quão incompleto o jogo se encontra no momento, além de outros problemas. Mas calma, primeiro vamos nos ater ao que ele acerta em cheio.
Ainda que moldado a padrões contemporâneos, o título mantém o espírito do clássico que tanto arrancou fichas dos jogadores de fliperama há duas décadas. São 16 personagens selecionáveis, sendo quatro inéditos: o árabe Rashid, o selvagem Necalli, o venenoso F.A.N.G. e a brasileira Laura. Justiça seja feita, todos largam na frente em carisma e personalidade quando comparados aos estreantes de Street Fighter IV.
O time veterano varia entre os “de sempre” (Ryu, Ken, Chun-Li, Dhalsim, Cammy, Zangief, Vega e M. Bison) e os ressuscitados da série Alpha (Birdie, Charlie Nash, R. Mika e Karin). Todos possuem características novas, em maior ou menor grau, que alteraram a dinâmica das lutas. Embora o jogador possa se sentir familiarizado com um deles, um parcial ou total reaprendizado será necessário. Cada mudança foi pensada para reforçar as principais ideias que definem cada personagem, seja a violência de Vega ou a concentração de Ryu. É admirável o esmero nessa parte, um trabalho meticuloso, quase artesanal.
Parte essencial desse aspecto é o sistema V, que substitui o Focus Attack de Ultra Street Fighter IV. Comparado ao anterior, deixa de funcionar igualmente a todos personagens e passa a ser moldado individualmente a cada um. Essa nova mecânica também evoca a importante questão da acessibilidade. Aparentemente simples, o Focus Attack possuía variações que não alcançavam os mais novatos. Isso muda totalmente com o V-Skill e o V-Trigger, ativados ao pressionar os botões médios e fortes. E nada mais.
A Capcom intencionalmente tornou o jogo mais receptivo àqueles que desejam entrar nas arenas virtuais, mesmo que sem experiência nenhuma. Não apenas o sistema V, mas outros pontos, como a quase padronização dos comandos de Critical Arts (equivalente aos Ultra Combos de Ultra Street Fighter IV) e a adição de Target Combos (sequências pré-programadas de comandos) para alguns personagens, vão ao encontro do espírito “fácil de aprender, difícil de dominar”. Street Fighter V está de braços abertos para novos jogadores, mas nunca assumirá o comando por eles.
Não é exagero afirmar que as batalhas online são o carro-chefe desta quinta versão. A procura de oponentes, tanto em partidas ranqueadas como casuais, foi extremamente simplificada e pode ser feita em background durante qualquer modo singleplayer ou até navegando pelo menu principal. Nesses casos, a escolha de personagens e cenários é definida previamente. Amigos podem criar uma sala (até o momento limitada a dois integrantes) e jogar como no modo Versus. Há ainda a Capcom Fighters Network, quase uma rede social própria onde é possível ver os rankings online, procurar jogadores favoritos e assistir aos replays deles.
Nas partidas online que experimentamos, a maioria contra brasileiros e ocasionalmente contra americanos e latinos, tudo rodou suavemente na maior parte das vezes. Não notamos lag, mas ocasionais rollbacks (quando parece que o golpe entrou, mas o servidor não computa). A maior ausência por ora é a falta de punição a quem desconecta no meio das lutas.
As decisões de acessibilidade em Street Fighter V, seja para atrair novatos ou engajar veteranos, mostra uma Capcom quase obcecada em direcionar a série ao futuro. No entanto, é estranho que ao tentar oferecer coisas novas o jogo deixe de ter o básico. Por que substituir o modo Arcade padrão por um insosso modo história, cuja principal importância é ser uma preparação para o verdadeiro modo história a ser disponibilizado somente quatro meses após o lançamento? Qual a razão de não podermos escolher o segundo jogador como CPU no modo Versus?
Até o modo Survival representa um passo à frente e outro para trás. Enquanto mostra inovações ao disponibilizar diferentes power-ups ao final das lutas, cada um descontando uma certa pontuação do placar, beira a insanidade atrelar o desbloqueio de cores dos personagens somente ao terminá-lo. Vencer 90 lutas para cada um, combinadas entre os modos fácil (10), médio (30) e difícil (50), deixa de ser diversão e passa a ser trabalho braçal.
Todos estes, incluindo o modo Training, representam tudo o que o jogo oferece. Eis que chegamos ao verdadeiro incômodo. Ao focar excessivamente nas partidas online, Street Fighter V comete o pecado de não oferecer um conteúdo variado para o singleplayer. Os Trials e desafios diários chegarão um mês após o lançamento oficial, assim como a loja online. Não há sequer itens desbloqueáveis como roupas, cenários ou artworks. Nesse aspecto, o título empalidece em comparação a outros do mesmo gênero, inclusive feitos pela própria Capcom.
O que resta é a esperança das promessas anunciadas. Os modos a serem lançados devem dar um gás no conteúdo para um jogador e é reconfortante saber que não haverá versões Super, Ultra ou similares, além de poder comprar qualquer personagem adicional através de moeda conseguida dentro do próprio jogo. E a participação ativa da comunidade será essencial para apontar quais são os balanceamentos necessários em uma próxima atualização.
Com suas atenções voltadas ao milionário filão dos e-sports, Street Fighter V é um produto de seu tempo. Para se tornar e continuar relevante durante os próximos anos, abandona o tipo de atualizações que a série tem feito desde a segunda versão em favor de um modelo de negócios praticado atualmente por jogos de sucesso. O potencial é nítido, mas assim como um bom vinho, levará um tempo para a maturação acontecer.