Não foi possível enviar. Confira o número e tente novamente.
Toda pessoa que comete um ato vil, acredita que tem o direito de fazê-lo.
É uma dura reflexão que a segunda parte de Last of Us propõe que façamos, pois ela nos leva a uma conclusão brutal e sombria sobre a humanidade: a de que todos somos capazes de cometer atos de extrema maldade, basta acreditamos que devemos e que podemos fazê-los.
Com seu novo trabalho, a Naughty Dog traz uma narrativa que ultrapassa o “simples” ato de contar uma história madura, apresentando uma proposta que é extremamente provocativa e moralmente desafiadora para quem está segurando o controle. Assim como o primeiro jogo da série nos apresentava uma história mais amadurecida sobre o amor, fugindo do tom romantizado com o qual este sentimento é comumente tratado, o novo título nos mostra uma análise mais aprofundada sobre o ódio, ao retratar os caminhos sombrios para onde esta emoção pode nos levar.
É uma narrativa conduzida com maestria exatamente por conta do desapego que título tem em agradar o jogador. The Last of Us Part II não quer ser divertido, ele busca ser tenso, chocante e reflexivo, motivo pelo qual entendo perfeitamente porque algumas pessoas podem não gostar do jogo - principalmente aqueles que apenas buscavam acompanhar a nova jornada de Ellie e torcer pela heroína.
O problema é que não existe lugar para conceitos românticos como mocinhos e bandidos no universo concebido pela Naughty Dog. O que temos aqui são pessoas que aprenderam a sobreviver em um mundo bárbaro e farão de tudo para permanecerem vivas ou alcançarem seus ideias e objetivos, muitas vezes olhando para o outro lado, mesmo diante de injustiças ou do sofrimento de outras pessoas.
E quando somos expostos a este tipo de abordagem e obrigados a refletir se agiríamos de forma diferente diante das situações presentes no universo do game, vemos que conceitos como heróis e vilões podem ser apenas duas imagens de uma mesma pessoa, refletidas em espelhos embaçados de ressentimento, amor, ódio ou empatia.
Esta não é uma reflexão que muitas pessoas queiram fazer e digo isso porque eu mesmo não esperava ser exposto a este tipo de sentimentos quando comecei a jogar o título. Quando vi Ellie deixar a Vila de Jackson para seguir sua jornada de vingança, eu compartilhei com ela o sentimento de raiva e frustração que a tiraram do seu lar, para caçar aqueles que haviam feito mal a ela. Assim como a minha heroína, eu queria seguir no encalço daqueles desgraçados e fazê-los pagar pelo que fizeram.
Conforme via a garota dar seus primeiros passos em sua missão, eu sentia uma catarse a cada inimigo abatido, pois isso a deixava mais perto de atingir seu objetivo. Trata-se de uma jornada que tem uma estrutura parecida com a que conhecemos em 2013 e, se você jogou o primeiro título da franquia, rapidamente vai entender a dinâmica dos comandos e o ritmo do jogo.
Temos aqui os mesmos elementos do primeiro The Last of Us, com a exploração em diversos cenários nos quais temos que recolher recursos escassos que usaremos para fazer itens e melhorar nossas armas. Enquanto isso, enfrentamos seres infectados e inimigos humanos, em princípio com ações furtivas e eventualmente partindo para o combate aberto se algo der errado (o que acontece com frequência).
A Naughty Dog claramente não se preocupou em “reinventar a roda” aqui, apostando em apenas lapidar e evoluir o que já tinha dado certo no game anterior e assim temos novos itens, um novo sistema de evolução de armas e mais ferramentas para explorarmos os cenários e lidar com os inimigos, que agora aparecem em novas formas e com novas táticas de enfrentamento.
Porém, elementos são apresentados aos poucos justamente para nos tirar de nossa zona de conforto. Cada vez que acharmos que já estamos à vontade com a dinâmica do game, surge um novo inimigo ou desafio que precisa ser superado, o que nos mantém sempre instigados e tensos sobre o que iremos encontrar à frente.
A violência presente no game, como já havia comentado em um vídeo aqui no Games4U, não aparece de forma gratuita. Ela é uma companheira amarga, mas necessária neste mundo tão desolado, onde os perigos espreitam a cada imóvel abandonado ou rua que exploramos. Isso faz com que um momento de contemplação e exploração rapidamente se transforme em uma batalha pelas nossas vidas e onde preciosos recursos podem se esvair em um “piscar de olhos”.
O game tem um bom sistema de furtividade, que permite que possamos passar por boa parte dos inimigos sem sermos vistos, porém o enfrentamento algumas vezes é inevitável. Os combates são sempre carregados de tensão e, embora sejam muito parecidos com os do jogo passado, aqui se tornam mais dinâmicos e fluidos pelo modo com que os inimigos se comportam nas batalhas, atuando de forma mais tática - e pela elaboração dos cenários que incentivam o jogador a estar sempre em movimento.
O novo comando de esquiva também se mostra uma opção muito bem-vinda, que contribui com uma dose ainda maior de tensão aos enfrentamentos, pois traz os inimigos para mais perto do jogador, que agora tem como se defender e contra-atacar. O resultado é sempre brutal e muitas vezes chocante, cabendo a nós apenas levantar ao final de cada confronto, ver se tem algo ao redor que possa ser aproveitado, curar nossas feridas, arrumar nossas coisas e continuar a jornada.
Também temos uma maior liberdade de exploração neste jogo, embora a única área realmente ampla e livre para nos movimentarmos esteja presente no início da campanha e realmente eu senti falta de encontrar mais ambientes como aquele em outros pontos do game. Felizmente, temos aqui um design de ambientes muito inteligente, que vai afunilando as áreas de exploração após a zona mais ampla no início da campanha, utilizando elementos de cenários mais urbanos para criar limitações ao avanço do jogador. Dessa forma, eles não soam como “paredes invisíveis”, como é comum em tantos games.
Nunca sentimos que estamos realmente sendo limitados pelo jogo, que apresenta uma enorme variedade de ambientes a serem explorados: lojas, casas, apartamentos e outras construções que contam pequenas histórias, seja pela própria estrutura e decoração do lugar ou pelos itens espalhados pelas ambientações.
Por tudo isso, explorar o universo do game é muito interessante e gratificante, pois apesar de ter uma estrutura que se torna cada vez mais linear conforme o jogo avança, os cenários são incrivelmente bonitos e cheios de possibilidade. Eles sempre parecem trazer algo novo, além do fato de constantemente nos recompensar por desbravar seus segredos, seja com recursos e itens precisos ou com momentos primorosos que poderiam ter simplesmente passado despercebidos por exploradores menos interessados.
Claro que apreciar a paisagem geralmente é uma alegria que tende a durar pouco, já que conforme avançamos na aventura, os perigos apenas aumentam e o game mergulha cada vez mais nas profundezas sombrias da alma humana.
Enquanto acompanha a trajetória e Ellie, percebia que a euforia que sentia a cada novo ato de vingança da jovem, começava a desaparecer aos poucos para ser substituído por um sentimento de incomodo, que apenas crescia conforme o jogo me mostrava como os atos de violência da protagonista do game deixavam marcas profundas não apenas nela, mas também naqueles que a acompanhavam.
Conforme aquele sentimento de ódio se tornava apatia, cada novo inimigo abatido se transformava em apenas mais um, em uma extensa lista de barbaridades cometidas por uma jovem que eu não conhecia mais. O que havia acontecido àquela menina que aprendi a amar a sete anos atrás, que tinha sempre uma piada na ponta da língua e que conseguia manter um olhar de ingenuidade e curiosidade sobre um mundo tão vil?
Quando percebi que aquela garota havia se corrompido diante de tanta dor, arrependimento e ódio, criando uma cadeira de eventos que apenas trouxe mais ressentimento e sofrimento, meu coração se partiu de uma forma que nunca havia ocorrido em um jogo.
E foi justamente neste momento de pesar, que The Last of Us Part II me traiu.
Quando entendia que a jornada até ali não havia trazido nada a Ellie e seus amigos, além de mais tragédias, o jogo me obrigou a ir mais além e entender de forma mais profunda as causas e consequências das ações da protagonista até aquele momento. Um movimento corajoso e é feito ao me obrigar a enxergar o mundo através dos olhos de alguém que já havia passado pelo mesmo ciclo de ódio que Ellie enfrentava.
Acompanhar a jornada desta figura é algo quase desumano, pois obriga a, se não simpatizar com aquela pessoa, pelo menos entendê-la e sentir pena pela vida que ela destruiu em prol de uma busca cega por vingança, da felicidade a qual ela abdicou por querer machucar alguém, e das pessoas que ela destruiu no processo.
Quando se olha para este abismo de ódio, dor e amargura que a campanha se transformou naquele ponto, o abismo olha de volta para você e te leva de forma quase literal para o inferno, em que toda a beleza perigosa que tínhamos acompanhado em tantos momentos do jogo, se transforma em algumas das cenas mais dantescas que já vi em um game.
É uma jornada que passa a nos desgastar emocionalmente de uma forma ainda mais intensa, pois obriga a encarar nossa própria ingenuidade e tolice em achar que a violência poderia trazer algo além de dor e sofrimento. Somos obrigados a admitir que todos os atos de maldade que cometemos ao longo do título parecem sem sentido.
E neste momento o jogo vai nos trair de novo, porque embora você só queira que tudo aquilo acabe e que os créditos subam para que você possa refletir sobre esse turbilhão de emoções, o jogo mostra que ele não acabou com você e novamente o arrasta para uma campanha para a qual você não quer mais fazer parte.
The Last of Us Part II não quer divertir, ele quer que você reflita sobre todas as experiências que você viveu ao lado de Ellie e que você sinta toda a dor, amargura e principalmente o quão perdida aquela jovem está e o preço que ela vai pagar pelo caminho que escolheu seguir.
Entendo perfeitamente quem odiou este jogo, pois embora ele seja muito competente em seus aspectos técnicos e no seu gameplay, estes elementos são apenas evoluções daquilo que conhecemos em 2013 e o que vai fazer você amar ou odiar este jogo é o quanto você será impactado pela história.
Você pode julgar todas as intenções das figuras presentes no jogo, discutir suas motivações e questionar suas ações, mas não é isso que este título quer. Assim como ele não se importava com o que vivêssemos a pensar sobre as ações de Joe, em 2013, ele também não liga para o que talvez pensemos sobre todos aqueles que conhecemos nesta continuação.
O tema pode ter mudado nestes sete anos e embora tenhamos passado do amor ao ódio, o que The Last of Us ainda quer é que nos permitamos olhar pelos olhos daqueles personagens e, se não perdoar, pelo menos entender a razão de eles terem feito o que fizeram. Ele quer que aprendamos a ter empatia, pois só assim podemos propagar o amor e impedir o clico de ódio que ele retrata de forma tão impiedosa e é tão presente em nossa sociedade.
Essa é uma mensagem que não poderia ter sido passada sem o talento da Naughty Dog em contar uma boa história e expressá-la em imagens e através de um gameplay apurado. Mas o maior mérito do estúdio foi o modo como ele usar o poder do PlayStation 4 parar transmitir para a tela toda os sentimentos de pessoas que ganham vida nas telas graças a interpretação primorosa de atores incríveis - com destaque para Ashley Johnson, que conseguem dar uma profundidade assustadora a Ellie.
A atriz claramente teve um desafio enorme ao dar vida novamente a protagonista do jogo, devido a carga emocional que deveria ser empregada as cenas, partindo de momentos de extrema felicidade, a uma fúria angustiada. Porém Ashley se sai maravilhosamente bem não só nas grandes cenas dramáticas, mas principalmente através dos pequenos gestos, como um sorriso sem jeito, um olhar perdido ou a forma ela morde a ponta dos dedos quando está nervosa e constrangida.
Um jogo que ainda está comigo enquanto escrevo estas palavras e acredito que vai permanecer na minha mente por muito tempo.
Cópia do jogo gentilmente cedida pela
Webfones
(Rafael Barbosa)