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Jogos geralmente tratam temas políticos e religiosos de forma superficial. Embora não faltem exemplos de reis, ditadores, líderes religiosos e outros tipos de governantes no mundo dos games, a maioria dos jogos prefere focar apenas na persona do líder e não no tipo de governo que ele representa.
Não que esta seja uma abordagem errada, mas ela se torna simplória já que líderes não são apenas pessoas, mas também representações de filosofias muito específicas, que influenciam não apenas aqueles que são governados, mas também a forma como um povo vê a própria existência e a de outras culturas.
Ao tentar abordar temas políticos de uma forma mais abrangente e complexa, Iconoclasts mostra um nível de ousadia raro e que é acentuado pelo fato do game ter sido desenvolvido por uma única pessoa, ao longo de quase oito anos.
Obra do sueco Joakim Sandberg, acho importantíssimo saber que tudo o que vemos neste game é o fruto de um trabalho solitário pois isto nos ajuda a analisar o título pelo prisma correto, pois passamos a entender que ele é um reflexo dos talentos e das limitações do seu criador, algo que nos permite apreciar melhor as suas qualidades e entender os seus defeitos.
Acompanhamos a trajetória de Robin, uma jovem pertencente a um mundo distópico e regido pelo One Concern, um governo ditatorial que domina sua população a tal ponto que chega até mesmo a escolher qual será a profissão das pessoas. Quando nossa heroína decide seguir por conta própria a carreira de mecânica, ela passa a ser perseguida pelo regime e acaba tornando-se uma fugitiva, viajando pelo mundo e conhecendo pessoas que apoiam a atual ditadura e também outras culturas.
O PERIGO ESTÁ NO DOGMA
Com uma história forte e complexa, o game se preocupa em apresentar a mitologia do seu universo para o jogador ao retratar as tradições e as culturas presentes em cada uma das cidades que Robin passa a conhecer, mostrando qual é a estrutura daquele mundo e como ele influência as pessoas que vivem nele.
Ao conhecer culturas diferentes e descobrir como seus adeptos muitas vezes se mostram dispostos a tudo para transmitir seus ideais, o game se aproxima perigosamente da nossa realidade, refletindo muitas das ações que vemos em nosso dia a dia através dos noticiários. Mas apesar do discurso crítico, o game acerta em não escolher lados, apresentando ideologias ou culturas falhas e semelhantes em determinados aspectos, não caindo na hipocrisia de tentar apontar um lado certo enquanto critica o pragmatismo e os perigos em seguir cegamente determinados dogmas.
Mas isso não quer dizer que não tenhamos heróis e vilões no game. Eles estão lá e isso contribui exatamente para mostrar que qualquer cultura pode gerar pessoas com boas intenções e tiranos corrompidos pelo poder. Cada um dos personagens principais do game tem filosofias de vida muito específicas, qualidades e falhas de caráter, criando motivações e arcos narrativos que são muito interessantes de serem acompanhados, o que ajuda a compensar a falta de ritmo narrativo do game, pois sempre queremos saber o qual será o destino das figuras que conhecemos ao longo da jornada de Robin.
São os seus personagens que fazem de Iconoclasts o que ele é e fiquei realmente surpreso pela forma como o design de cada um deles reflete a sua personalidade: o modo como Royal se veste de branco por que ele acredita ser uma figura pura e divina, como as feridas de Elro refletem os transtornos de sua personalidade ou a forma como a aparência jovem de Mina reflete seu temperamento explosivo e também sua impulsividade. Todos estes são apenas alguns exemplos de como a narrativa do game se mistura muito bem ao seu visual.
LINDO, SIM, MAS MEIO CHATINHO...
Com um estilo gráfico que simula os jogos da era 16-bit (o conhecido Pixel Art), o visual do game é lindíssimo e não apenas na concepção dos personagens, mas também nos seus cenários. Conforme descobria cada nova área do game, eu me surpreendia com o cuidado com que cada ambiente era criado e com a forma como todos traziam elementos únicos. Visitamos montanhas gélidas, desertos inóspitos e grandes cidades, sendo que cada área está recheada de detalhes, seja na decoração bucólica de uma taverna até a forma como os murais de um templo retratam a adoração de um povo pela sua divindade. É um cuidado que não está presente apenas no primeiro plano, pois o game dá uma atenção especial ao que está no fundo da tela, demonstrando uma sensação de mundo é vasto através de grandes paisagens, ou apenas para dar um toque de classe - como mostrar as gotas que batem contra uma janela em um dia de chuva.
Apesar de encantador, vagar por este mundo traz (ou deveria trazer) uma boa dose de perigos e se gosto particularmente do estilo dos inimigos que encontramos ao longo do game e que parecem ter sair de um jogo do Mega Man. Na verdade, a jornada de Robin traz algumas similaridades com a aventura do robozinho azul da Capcom, como a arma da protagonista e seus diversos tipos de disparo, embora seja inegável que falta nesta aventura a energia e a empolgação que encontramos na aventuras do eterno inimigo do Doutor Willy.
Apesar da variedade de disparos de nossa arma e da grande quantidade de inimigos que encontramos, os combates do game são insossos e os inimigos geralmente são muito fáceis de serem derrotados. O game prefere concentrar sua dificuldade na exploração dos cenários e na forma como eles sempre trazem um desafio a ser superado para que possamos continuar nossa aventura, porém mesmo estes momentos não são muito inspirados, assim como a própria trilha sonora do game, que é genérica e simplória demais para acompanhar o ritmo e o tom épico que o game toma em determinados momentos.
Pelo menos a situação muda drasticamente na hora de enfrentar os chefes: a falta de empolgação dá lugar a lutas interessantes e divertidas, já que os inimigos sempre exigem uma estratégia diferente para serem derrotados, não deixando que os jogadores se limitem apenas a desviar de ataques e atirar.
O que mais incomoda em Iconoclasts é justamente a discrepância de qualidade existente nos elementos que compõem este game, que traz uma falta de apuro em determinados elementos enquanto outros são consideravelmente mais bem trabalhados.
Se por um lado ele traz uma história e ambientação interessante, com ótimos personagens e uma mensagem poderosa, jogá-lo já não é tão divertido pela falta de imaginação de seus desafios e de alguns elementos que compõe o game - como os Tweaks, que poderiam trazer melhorias interessantes nas habilidades da heroína, mas que são completamente descartáveis.
Como disse no começo deste artigo, ao ser feito por uma única pessoa, Iconoclasts reflete as qualidades e defeitos de seu desenvolvedor, porém, apesar dos problemas, o jogo de Joakim Sandberg é uma experiência gratificante e espero que ele continue a fazer jogos, embora tenha esperança que outras pessoas participem do seu próximo projeto. Afinal, ideias variadas sempre são importantes, seja em um debate ou no desenvolvimento de um jogo.
FICHA:
(Rafael Barbosa)