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O mundo dos RPGs japoneses já viu dias melhores. Depois do seu auge na era PlayStation, o gênero entrou em uma quase decadência com o lançamento cada vez mais diminuto de jogos a cada ano, embora algumas grandes franquias como Final Fantasy ainda persistam. Mesmo tendo consumido este estilo de jogo avidamente durante boa parte da minha adolescência, confesso que comecei a pensar que talvez este gênero devesse ser mantido no passado pois talvez ele simplesmente não funcionasse mais atualmente. Isto é, até Persona 5 conquistar um lugar no meu coração.
Ao contrário de outros títulos orientais que buscam inspiração em jogos do Ocidente, Persona 5 se mostra em paz com suas raízes, abraçando os elementos mais clássicos dos RPGs orientais e da própria cultura japonesa para transmitir uma mensagem poderosa, divertida e cheia de estilo.
Controlamos aqui um jovem que ao ser injustamente acusado de um crime, vê sua vida mudar da noite para o dia, sendo obrigado a deixar sua terra natal para estudar em uma escola em outra cidade e sempre sobre os olhos avaliadores de um tutor. Com uma recém-adquirida ficha criminal, que o torna o centro das atenções em seu novo colégio, nosso herói tenta se adaptar a sua nova vida até que descobre um aplicativo que o permite viajar para outra dimensão onde os desejos reprimidos das pessoas assumem uma forma física (as chamadas Personas).
Quando descobre que pode controlar estas entidades, o protagonista se une a seus recém-adquiridos companheiros em uma jornada para roubar (e purificar) o coração daqueles cujos desejos distorcidos os levam a prejudicar outras pessoas.
O QUE ISTO DIZ SOBRE O JAPÃO?
Apesar do enredo fantástico, o game traz uma discussão filosófica
interessante: a imagem que passamos para as pessoas ao nosso redor
não reflete necessariamente quem somos. E muitas vezes somos
levados a ver características importantes de nossa personalidade
como defeitos, em vez de qualidades.
Enquanto apresenta essa reflexão através dos olhos de um estudante, o game busca representar um pouco do cotidiano da juventude japonesa, mostrando sua rotina escolar, os locais que frequentam e seus relacionamentos com outros personagens. Mas ao expor esses elementos, o game também propõe uma crítica social contundente sobre o próprio Japão, retratado como uma sociedade pautada em valores tão rígidos que facilmente marginaliza aquele que se afastam, mesmo que momentaneamente, de suas normas sociais.
Colocando os adolescentes como o centro de sua narrativa, o game os retrata como os grandes prejudicados deste sistema, enquanto torna vilãs suas figuras adultas e os apresenta como imagens opressivas que seguem seus próprios desejos e ambições.
Embora sua narrativa seja propositalmente exagerada, o jogo se mostra atual e realista em suas reflexões, sendo corajoso ao abordar temas pesados como opressão, abuso físico, assédio sexual, suicídio e outros assuntos complexos que raramente são abordados em games.
Mas, apesar de tratar de assuntos complexos, Persona não cai na armadilha de se levar a sério demais e se apresenta como uma grande aventura adolescente, investindo no humor e em personagens que, apesar dos problemas que enfrentam, são adolescentes apaixonados pela vida e pelos seus amigos.
A narrativa do game tem um ritmo lento, que toma o tempo que acha necessário para apresentar seus personagens e sua trama. Apesar de apresentar problemas de ritmo e se alongar demais em diversos momentos, a história é conduzida de forma competente, evoluindo seus personagens ao longo de uma história que aos poucos ganha ares épicos.
BELEZA E ESTILO ANDAM JUNTOS
A leveza encantadora da história de Persona 5 combina
perfeitamente com seu design artístico colorido e extravagante, com
personagens que em um momento são estudantes comportados e em outro
se transformam em ladrões de roupas provocativas, cheias de
adereços e pompa.
O visual do game investe sempre no exagero, com muitas onomatopeias, cores berrantes e um visual carregado de informação que procura dar um estilo descolado a cada aspecto do seu visual, transformando até mesmo os seus elementos mais simples, como um menu ou uma transição entre batalhas, em uma demonstração de estilo e beleza.
O game pode ser dividido em duas partes. Em um primeiro momento, precisamos viver como típicos estudantes, que vão à escola diariamente, saem com os amigos e às vezes trabalham em empregos de meio período - afinal as contas não se pagam sozinhas.
Temos uma longa lista de atividades à disposição e o game sempre nos incentiva a explorá-las, pois cada uma delas oferece uma recompensa. Responder corretamente às perguntas dos professores ou estudar irá aprimorar seu nível de conhecimento, enquanto assistir a um filme romântico aumentará seu carisma; e sair com seus amigos irá evoluir o nível de intimidade com eles, liberando vantagens que serão úteis quando assumirmos nosso papel de heróis na dimensão alternativa.
O tempo exerce um papel predominante no game, já que algumas atividades só podem ser acessadas em momentos específicos do dia e como sempre temos um determinado número de dias para cumprirmos cada missão: temos que escolher cuidadosamente no que iremos nos focar. Vamos tentar aumentar nosso nível de perícia para conseguirmos construir mais itens ou vamos tentar estreitar nossos lados com um conhecido para ver que vantagens conseguir? Tudo depende da sua opção.
O sistema funciona muito bem e o game apresenta suas opções de interação aos poucos, de forma que sempre estamos aprendendo algo novo. Infelizmente, o próprio jogo sabota essa mecânica em alguns momentos ao sem aviso algum dar prosseguimento à história, dando continuidade a eventos que podem durar dias, prendendo o jogador em um ciclo narrativo que, apesar de interessante, impede que possamos explorar aquele universo da maneira que realmente gostaríamos. Ainda que traga um certo nível de “liberdade”, Persona 5 é um game linear e demasiado preso em sua própria estrutura.
INVADINDO O CASTELO INIMIGO
O interessante é que mesmo esta estrutura excessivamente fechada é
condizente com a proposta do game, que busca retratar os
adolescentes como figuras presas pelas convenções sociais do mundo
adulto. Nossos heróis somente são livres quando vestem suas roupas
de ladrões e liberam suas verdadeiras Personas, invadindo a
dimensão paralela para roubar e redimir o coração dos caras
maus.
É justamente neste momento que Persona brilha. Podemos roubar o coração de pessoas “comuns” através de missões paralelas, porém as melhores partes do game são quando invadimos as fortalezas construídas a partir dos desejos sombrios de determinados alvos. Cada masmorra tem um design diferente, que busca retratar quem é aquele vilão, de forma que conhecemos um pouco mais sobre nosso alvo a cada andar que visitamos. Alguns ambientes são tão interessantes que não conseguia deixar de pensar “o que este lugar diz sobre essa pessoa” a cada nova área que explorava.
E é na exploração dessas masmorras que o game abraça seu lado de RPG clássico, com muita exploração, pequenos puzzles e batalhas por turnos que trazem um divertido sistema onde precisamos descobrir as fraquezas dos inimigos para vencermos e onde um pequeno descuido pode mudar rapidamente o curso da batalha. Como apenas nosso herói pode invocar vários personas, estamos sempre buscando novas criaturas para capturar, o que acontece depois que conseguimos conversar com elas, para depois fundi-las com outras entidades para que as deixemos mais fortes.
Apesar de alguns problemas, Persona 5 tem estilo. Trata-se de um título que reavivou minha esperança no RPG japonês e que mostra que este gênero ainda tem muita lenha para queimar.
(Rafael Barbosa)