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Katana Zero é um game que precisa ser conhecido. A experiência proporcionada pelo último trabalho da Askiisoft não é apenas completa em sua proposta, mas o título também apresenta um esmero em suas intenções e execução que são difíceis de serem encontrados até mesmo em jogos de grandes produtoras - imagine então em um pequeno estúdio.
É um trabalho que se torna ainda mais impressionante quando vemos que a desenvolvedora é formada basicamente por um homem: Justin Stander. O americano precisou de sete anos para entregar seu jogo e o resultado é uma experiência única não apenas pelo título em si, mas também pelo que ele representa. Ver um jogo sair basicamente de uma única mente é sempre uma experiência interessante pois, sendo o título bom ou ruim, ele diz muito sobre o seu criador, suas influências, ideias e também suas intenções como desenvolvedor. Isso é, algo que muitas vezes fica obscuro e diluído quando falamos sobre títulos de grandes produtoras, onde centenas de pessoas trabalharam em um único projeto.
Quando olhamos para Katana Zero, vemos os anos 1980 “explodirem” em nossas mentes em toda sua glória e neon. As influências são óbvias e não apenas pelo seu design em pixel art e as claras alusões à década, como também na “realidade analógica” do título (com personagens que usam Walkman e televisões em tubo) ou sua trilha sonora tão carregada em temas com sintetizadores, mas principalmente pelo “clima” que o game quer transmitir.
Embora suas influências estejam basicamente em filmes coreanos como Old Boy e The Man From Nowere, o game traz muitas das influências presentes dos trillers oitentistas, com seus cenários noturnos e que compõem um universo violento um tanto melancólico, além de personagens dúbios, de moral duvidosa, o que reflete muitos dos longas que aprendemos a amar na década mais influente da cultura pop.
Mas as influências de trillers não estão apenas na concepção e ambientação do game, que traz também uma narrativa baseada neste estilo cinematográfico, com uma trama que envolve um grande mistério e onde novas pistas e informações vão aparecendo e inserindo o protagonista do jogo em uma conspiração cada vez maior.
Informações que são passadas não apenas através de diálogos, mas também por alucinações, sonhos e dilemas enfrentados pelo herói do jogo, um samurai urbano que trabalha como matador de aluguel e que tenta descobrir mais sobre seu passado enquanto tenta entender quem são realmente as pessoas que escolhem seus alvos.
Com uma trama sólida, a narrativa do game vai se tornando cada vez mais interessante e um tanto maluca conforme os capítulos avançam, já que em diversos momentos nem o jogador e muito menos o protagonista do título tem ideia se o que estão vendo realmente está acontecendo ou se são alucinações vindas da mente perturbada de um guerreiro que já passou por maus bocados na vida.
Mas o game faz mais do que “apenas” contar uma história interessante, ambientando o jogador em um universo profundo e atraente, construindo não apenas uma ambientação convincente, mas também usando elementos daquele universo para enriquecer sua trama. Citações a uma guerra recente estão presentes em diversos momentos do título, que consegue mostrar que este conflito deixou marcas em sua sociedade e também nos seus ex- combatentes, que agora questionam seu papel no conflito, de forma similar a reflexão oitentista sobre a Guerra do Vietnã (outra marca dos filmes da década de 1980).
Uma pena que o game quase comprometa a própria coerência e profundidade de roteiro ao tentar transmitir uma falsa sensação de escolha ao jogador. Ao longo do game temos a opção de interromper diálogos e tomar diversas decisões, porém todas elas não passam de pequenas doses de placebo, já que todas as suas ações levam ao mesmo ponto final.
Justin claramente tinha uma história para contar e dar a indicação que o jogador pode interferir nela soa simplesmente falso e irrelevante, já que, apesar de ser uma mecânica interessante, ela não traz grande benefício a narrativa ou ao andamento do game.
Entretanto, Katana Zero não é só um jogo com uma boa história. Ele também é um título muito divertido de se jogar.
Baseado em um sistema onde você e os adversários morrem com um único golpe, o game consegue construiu uma ação dinâmica e prazerosa, onde morrer faz parte da brincadeira e, antes de passarmos para o próximo estágio, teremos que entender como proceder diante de cada ação dos inimigos.
As comparações com Hot Line Miami são inevitáveis, já que ambos os jogos usam mecânicas e elementos similares para tornar a experiência rápida e interessante, com cenários curtos e ações de replay rápidas, em que esperamos poucos segundos após morrermos para voltarmos a ação. Mas as comparações com o jogo da Devolver param por aí, afinal, Justin já lidava com este sistema de morte e ressurreição em seus jogos antigos e sua forma de usar este conceito se mostra mais refinada.
O herói do game tem o poder de controlar o tempo e isto não apenas dá uma desculpa atraente para suas constantes ressureições, mas também cria uma mecânica de paralisia temporal que não é apenas funcional e visualmente interessante, mas que também tornam a ação do jogo mais divertida e desafiadora.
O resultado são embates que ganham força e amplitude conforme o game avança. Para ser bem-sucedido, temos que usar nossos reflexos, o conhecimento que temos sobre as ações dos inimigos e as diversas habilidades do herói contra os adversários. É um desafio que sempre termina em grandes banhos de sangue que, muitas vezes, chegam a soar sádicos e que reforçam a obsessão do game com a violência e morte, temas que abordei de forma mais aprofundada em meu canal Terra dos Pixels.
Porém a violência presente no título sempre soam coerente com sua proposta e seu universo distópico e noir, mas que nunca parecem ofensivos devido ao seu tom cartunesco e a própria forma como o game evita se levar a sério demais.
Por mais que seja “divertido” dilacerar nossos inimigos, o game toma o cuidado de “pincelar” aqui e ali pequenas mecânicas novas, como passar despercebido por guardas ou pilotar uma moto em uma batalha sobre rodas pelas ruas da cidade. São ações que nunca são usadas novamente, mas que cumprem sua função de quebrar o ritmo de andar pelos cenários e dizimar os adversários.
O game não tem apenas um visual em pixel art fantástico, mas é provavelmente o jogo mais impressionantes e detalhados a usar este estilo gráfico nos últimos anos. Do quarto do protagonista, com sua decoração desleixada, até a ostentação luxuosa e cheia de luzes de uma danceteria, cada cenário do game é único e apresentam uma série de elementos e detalhes nos seus moveis, iluminação e arquitetura, que podem passar despercebidos à primeira vista, mas que compõe cenários incrivelmente bem-acabados.
Katana Zero já é uma das maiores surpresas do ano. É um game que traz uma série de elementos riquíssimos em sua concepção e produção, rendendo um jogo que transborda em violência, assim como também esbanja em carisma e competência.
Katana Zero foi lançado em abril de 2019 pela Devolver Digital e está disponível para Nintendo Switch e PC.
(Rafael Barbosa)