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Horace foi um dos games mais surpreendentes e tocantes deste ano. O título me capturou logo nos seus primeiros momentos, quando a voz digitalizada do seu herói chegou aos meus ouvidos e começou a contar a tocante história do seu nascimento e os seus primeiros passos naquele mundo pixelado. Arrebatado, tudo que pude fazer foi segurar o controle e seguir em frente, porém, quanto mais acompanhava a aventura daquele robozinho amarelo, de sorriso fácil e ar inocente, mais aquela jornada se tornava cativante e irresistível.
Horace é um game que vai tentar “fisgar” você pelo coração, afinal, ele é uma verdadeira carta de amor aos games e à cultura pop dos anos 1980/90. É um título que mostra seu potencial aos poucos, ocupando boa parte da sua primeira hora em cenas narrativas, em uma abordagem que não existe por acaso e que, além de nos ambientar em seu universo, deixam claro que a narrativa é algo imprescindível dentro da experiência que este jogo quer proporcionar. Algo que não vemos com regularidade em títulos do gênero plataforma.
Nesta aventura, conhecemos Horace, um androide que é adotado por pessoas carinhosas logo após seu nascimento, conhecendo toda a felicidade e ternura que só o amor familiar pode proporcionar. Porém, após presenciar uma tragédia, nosso herói literalmente se desliga do mundo, despertando anos depois para encontrar seu pais enfrentando os horrores de uma guerra global entre humanos e robôs, iniciando uma grande jornada para encontrar seus entes queridos, agora separados neste mundo de conflitos.
É uma aventura que traz influências de filmes com Pinóquio, Inteligência Artificial e O Homem Bicentenário, abordando temas como amor, amizade e morte, enquanto propõe reflexões complexas sobre os elementos que nos tornam “humanos”. São temas que já foram abordados diversas vezes no passado, mas que não soam batidos neste game devido principalmente à abordagem e a forma como ele escolheu contar a sua história.
Criado por Paul Helmanm ao lado de seu amigo Sean Scapelhorn (programador), o título encontrou em suas limitações uma forma interessante de conduzir sua narrativa, transmitida totalmente através dos olhos de Horace, que conta através de sua voz sintetizada a história de sua vida. Ao usar apenas a voz robótica do seu herói, inclusive na fala de outros personagens, Helman conseguiu eliminar a necessidade de dubladores, enquanto também encontrou um modo de mostrar emoções que Horace está sentindo e dividi-las com o jogador.
Ao acompanharmos esta jornada através da perspectiva do protagonista, entendemos perfeitamente o que ele está sentindo e criamos uma empatia automática, já que nosso herói é uma criatura adorável que consegue, através de sua ingenuidade e ternura, trazer um olhar mais otimista a um mundo cruel. Assim, fica difícil não sorrir junto com este robozinho de chapéu boboca ou nos entristecermos ao seu lado durante a aventura.
Apresentando uma maturidade narrativa extraordinária para um criador que está fazendo seu primeiro game, Helman consegue nos tomar pela mão durante esta jornada, ao saber como e quando apertar os “botões” certos de nossas emoções, construindo cenas que enchem nosso coração de felicidade, pela sua simplicidade e pureza, para em outro momento nos chocar com uma cena brutal.
Uma proeza que vem através da paciência e de um ritmo muito bem construído, num game sabe como contar sua história e não tem medo de, por exemplo, “perder” alguns minutos em uma longa cena, em que vemos o herói refletir sobre as consequências de seus atos, durante uma viagem de carro para casa.
É uma maturidade que não se apresenta apenas no ritmo da narrativa, mas na complexidade do seu mundo, que mostra a sociedade humana e robótica em diferentes estágios (uma em declínio, enquanto a outra está surgindo) e mesmo assim as retrata como grupos similares, que passaram por processos evolutivos parecidos e se mostram capazes de atos de amor e também de crueldade extremos.
É justamente por trafegar por um mundo complexo que a jornada de Horace se torna tão marcante, pela forma como este robozinho, capaz de feitos incríveis, mas também de grandes falhas, descobre mais sobre si mesmo, o universo a sua volta e as pessoas que o habitam.
Personagens que podem falar através da voz do nosso herói, mas que tem personalidade e características distintas, assim como o protagonista, a que quem passamos a conhecer profundamente a longo da aventura.
Existe uma dose de confiança clara na forma como o game conta sua história, algo que algumas vezes extrapola suas próprias limitações. Apesar de contar com um visual em pixel art muito bonito e criativo, o game acaba comprometendo sua experiência ao aproximar muito a câmera dos personagens em alguns momentos, fazendo os pixels “saltarem” na tela.
Trata-se de um problema que fica muito evidente nas primeiras horas da campanha, quando há um abuso claro dos closes nos personagens pixelados: a câmera às vezes se aproxima tanto que fica difícil reconhecer até mesmo suas expressões. É um pequeno deslize em um título que, no geral, consegue trabalhar sua experiência de forma muito competente, seja nas emoções e reflexões que quer compartilhar através de sua narrativa ou nos desafios propostos no seu gameplay.
Talvez, ao falar tanto sobre a história do game, eu tenha dado a entender que ele é um título focado exclusivamente em sua narrativa, algo que não poderia estar mais longe da verdade, até porque este game tem ação de sobra para dividir com quem estiver segurando o controle.
Horace é um título altamente desafiador e competente no modo como apresenta seus desafios. Baseado em clássicos como Jet Set Willy e Super Mario Bros., o game investe a maior parte de seu gameplay em desafios do gênero plataforma, em que devemos desviar dos inimigos e dos perigos de cada estágio para seguirmos em frente.
Entretanto, o game extrapola a criatividade de seu roteiro para o seu game design, na forma como ele brinca com o próprio gênero, apresentando desafios variados que usam e abusam de elementos de física e que constantemente testam as habilidades do jogador.
Assim, encaramos fases que testam nossas habilidades, reflexos e raciocínios, em estágios interessantes e imaginativos, que nos fazem sempre pensar em como usar a estrutura da própria fase a nosso favor. Nosso robozinho tem a habilidade de subir nas paredes e assim, muitas vezes temos que deixar a fase literalmente de cabeça para baixo para encontrarmos uma saída, usando diversas habilidades que, infelizmente, algumas vezes marcam presença de forma tímida durante o game, que não usa algumas de suas ideias em todo o seu potencial.
O jogo tenta nos dar novas habilidades, mas, com exceção da aptidão de subir nas paredes e levantar objetivos, elas são usadas poucas vezes, o que dá a impressão que foram inseridas às pressas no projeto e, sem tempo para serem aproveitadas totalmente, ficaram de lado no produto final. Talvez o game devesse ter diminuído o número de opções de poderes para aproveitá-los melhor, como a capacidade de Horace de se inflar como um balão ou diminuir seu tamanho, que rendem desafios interessantes, mas que aparecem uma única vez na campanha.
Felizmente, este se mostra um problema menor em um game com um design de estágios tão apurados e divertidos, no qual cada fase propõe um desafio diferente e que raramente se repete, trazendo um ar de frescor a cada nova tela que conhecemos. Porém o game não para por aí e regularmente subverte a expectativa do jogador ao abandonar o gênero plataforma em pequenos minigames.
São momentos primorosos em um título que capta como nunca nossa atenção e trazem um ar de leveza a jogabilidade que testa as habilidades do jogador ao limite, apenas para quebrar está tensão em seguida e acalmar nossos nervos com um jogo de basquete, um game de tiro à la Space Invanders ou um momento onde devemos tocar bateria no estilo Guitar Hero.
São ocasiões que nos fazem mergulhar em todo um universo de referências que não se restringem apenas a jogos antigos, mas também a filmes e músicas clássicas da cultura pop, que inevitavelmente estamparam um sorriso em meu rosto - embora algumas vezes o joga passe do ponto nas alusões e exagere aqui e ali na quantidade referências.
Entretanto, esses momentos são importantes pra quebrar a tensão em um game altamente desafiador. O jogo espera que você morra, morra de novo e morra mais uma vez, porém ele consegue deixar a frustração de lado ao investir em mortes rápidas e que te levam rapidamente de volta a ação, checkpoints generosos e até mesmo uma “mãozinha” aqui e acolá - como quando uma “vidinha” a mais surge na tela se morrermos demais.
Esse é mais um toque de sensibilidade em um game que sabe a experiência que quer proporcionar e que já está na minha lista de melhores de 2019. Um título desenvolvido ao longo de sete anos por basicamente duas pessoas, que entregaram uma obra que parece simples à primeira vista, mas que é embutida de uma profundidade de sentimentos e elementos de game design que superam muitas grandes produções por aí.
FICHA TÉCNICA
Estúdio: Paul Helman, Sean Scapelhorn
Editora: 505 Games
Plataforma: PC
Lançamento: Julho/2019
(Rafael Barbosa)