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É curioso pensar em como demoramos tanto tempo para colocarmos as mãos num jogo como Ghost of Tsushima, principalmente quando pensamos na quantidade de estúdios nipônicos que fazem parte da indústria de games. Foram tantos e tantos anos sem nunca terem lançado um título que abordasse a cultura e história do Japão na escala pensada pelo estúdio Sucker Punch.
Se eu fosse um desenvolvedor oriental, estaria dividido neste momento: um tanto deprimido por ver que a indústria japonesa negligenciou a oportunidade de fazer um game do tipo, mas também feliz por finalmente termos um título como Ghost of Tsushima.
Essa aventura nos leva ao Século 13, na primeira tentativa de invasão mongol ao Japão. Assumimos a identidade de Jin Sakai, um jovem samurai que vê seus aliados serem massacrados e seu lar ser invadido pelo exército de Kublai Kahn. Após escapar da morte, o guerreiro será obrigado a abdicar do caminho samurai para conseguir vencer os invasores e salvar a ilha de Tsuhima.
Trata-se de uma jornada épica, que consegue nos transportar de forma sublime para o passado, graças à ambientação fantástica. É provavelmente um dos títulos de mundo aberto mais bonitos da atualidade embora isso não se deva à recriação do Japão Feudal que ele oferece.
A reconstrução histórica parece fidedigna, mas estamos falando de um jogo que ambientado numa pequena ilha, num ponto quase remoto do país daquela época. Não temos aqui um jogo cujos cenários tragam toda a diversidade, imponência e opulência arquitetônica presente nas grandes capitais do Japão antigo.
Não existem grandes cidades, apenas pequenos povoados, e embora seja interessante ver como o game retrata essas pequenas comunidades, seu estilo arquitetônico e modo de vida, existem poucas construções no jogo que sejam de “encher os olhos”.
Não que isto seja realmente um problema, já que o game brilha realmente na construção de seus cenários naturais. O modo como ele utiliza com maestria o Sistema de Partículas do PlayStation para dar vida à vegetação, com suas folhas sempre “brincando” ao vento, a variedade de paisagens que encontramos e o modo como elas são retratadas usando um tom de cores saturadas, que dão ainda mais destaque à estação do outono, e tornam cada paisagem uma verdadeira obra de arte.
Quando unimos isso a forma genial com a qual o game utiliza seu sistema de iluminação, temos a explicação de porque os gamers ficaram tão empolgados com o “modo fotográfico” do jogo. É impressionante como Ghost of Tsushima consegue fazer uma mesma paisagem parecer diferente dependendo da hora em que você passa por ela, pelo modo como a luz do sol ou o reflexo da lua parece afetar toda a vegetação, iluminando cada ambiente com um tom diferente, desde o momento onde a luz do sol domina a região, até as estonteantes horas do amanhecer e entardecer.
É um resultado “estético” que não se consegue apenas com processos técnicos, mas que claramente requer um grande toque de sensibilidade que também é levada para outros aspectos do game, incluindo o gameplay.
A decisão de usar o vento para guiar o jogador até os pontos de interesse presentes no mapa é uma decisão sutil, funcional e que encaixa perfeitamente com a proposta do game bem como o passarinho que surge em determinados locais para também direcionar quem estiver segurando o controle. Elementos que evocam a mitologia japonesa bem como as influências do cinema samurai, em que o vento (assim como outros elementos da natureza) eram utilizados com grande destaque, um aspecto que expliquei de forma mais aprofundada em meu vídeo sobre o jogo.
São detalhes que fazem toda a diferença na construção da atmosfera do game, que encontra espaço para que o jogador desempenhe diversas tarefas com um simples deslizar de dedos pelo touchpad, desde uma ação importante como inovar o vento que irá nos guiar pela aventura, até ações “cosméticas” como fazer uma reverência.
Porém, apesar das belezas presentes no game, Ghost of Tshushima é um título sobre conflito, um tema que obviamente se reflete nos seus combates brutais, que trazem uma profundidade muito interessante. Os embates são uma mistura bem-sucedida dos combos e da agilidade de Assassin’s Creed, com o sistema de posturas utilizado em Nioh.
Os momentos de conflitos são sempre dinâmicos, estamos constantemente trocando nossa postura para enfrentarmos cada classe de adversário, nos movimentando entre ataques, defesas e ações para quebrar a guarda dos adversários. Constantemente, nos vemos em situações em que estamos rodeados de inimigos e o game nos obriga não só a jogar de forma estratégica, eliminando determinadas classes primeiro, mas também a utilizar os diversos itens como bombas de fumaça e kunais.
Claro que isto ocorre quando optamos pelo combate aberto, que é de longe a opção mais divertida, já que embora tenhamos também a opção de agirmos de modo furtivo, o game não oferece grandes desafios neste campo devido à “baixa” Inteligência Artificial dos inimigos.
Infelizmente, porém, o combate bem apurado do game acaba servindo para esconder a falta variedade das suas missões, que restringem o jogador a fazer uma quantidade limitada de ações, como se esconder ou seguir rastros, simplesmente adiando um confronto inevitável que aparecerá no final daquele objetivo. Os combates divertidos acabam “encobrindo” esta falta de criatividade e é inevitável pensar que este jogo merecia mais esmero no planejamento de suas missões.
Embora o jogo traga este aspecto repetitivo no seu gameplay, ele consegue prender o jogador graças ao enredo, que consegue evocar o caráter trágico tão presente no cinema samurai e que se mostra não apenas ao viajarmos por cenários, que constantemente apresentam sinais da devastação que permeia a invasão mongol, mas principalmente nos desfechos de muitas histórias presentes no título.
A própria trajetória de Jin traz um tom de tragédia evidente e, juntamente com personagens secundários cheios de carisma, o game consegue embalar o jogador e manter o seu interesse ao explorar conceitos como honra, lealdade e dever, seja para com seu país, suas obrigações ou seus amigos. Minha única reclamação é que os personagens talvez pudessem ser um pouco mais explorados, principalmente Jin.
Mas apesar destes percalços, Ghost of Tsushima é um título que todo fã de filmes samurais e cultura nipônica gostaria de jogar. Ele pode não ser perfeito, mas cumpre muito bem a grande maioria de suas propostas e apesar de apresenta erros e bugs aqui e ali, não há como negar que o título é um dos melhores games já feitos para o PS4 em termos de otimização. Afinal, um título com sua estrutura e tamanho apresentar uma tela de "loading" inicial tão rápida é um feito espantoso, assim como são igualmente rápidas as viagens rápidas entre pontos do mapa.
É um elemento que só ajuda a dar dinamismo à campanha, sendo necessários apenas alguns instantes entre um apertar de botões para estarmos novamente aproveitando uma excelente viagem ao Japão antigo.
Ghost of Tsushima foi lançado em julho de 2020 exclusivamente no PlayStation 4.
(Rafael Barbosa)