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É difícil acreditar que já fazem 10 anos desde o lançamento de Amnesia: The Dark Descent. Não é fantástico como o tempo voa quando a gente está morrendo de medo?
O título do estúdio sueco Frictional revolucionou os games de terror em 2010 pela coragem de colocar o jogador como uma figura que realmente deveria sobreviver ao horror e não enfrentá-lo com um arsenal pesado, como a maioria dos títulos do gênero passou a fazer após as convenções estabelecidas por Hideo Miazaki e sua equipe, no primeiro Resident Evil.
Quando olhamos para a década que se passou desde aquela arrepiante jornada pelo castelo de Brannenburg, vemos de forma muito nítida como o primeiro Amnesia inspirou fortemente a indústria, através de grandes jogos que utilizaram seus conceitos para entregar aventuras apavorantes, como Outlast, Alien Isolation e tantos outros.
Mas tamanha influência também traz uma grande responsabilidade, que recai sobre as continuações do título de 2010. Assim, é natural que muitas pessoas olhem para Amnesia: Rebirth esperando que ele seja melhor ou tão inovador e influente que seu antecessor. Mas se você se aventurar pelos corredores sombrios dessa jornada, recomendo que deixe esta expectativa de lado, pois ela somente fará com que você encare este jogo com uma perspectiva errada desde o começo.
Nenhuma continuação tem a “responsabilidade” de ser melhor que seu material de origem. A verdadeira obrigação de uma sequência é provar que ela tem um motivo para existir, que ela é mais do que um mero “número 2” feito para que seu estúdio ganhe mais dinheiro.
Felizmente este é o caso de Amnesia: Rebirth. Embora ele traga convenções e conceitos que vimos em The Dark Descent, o novo trabalho da Frictional busca não apenas expandir essas mecânicas, como também trabalhar uma nova maneira de explorar o seu horror.
No game, controlamos Tasi, uma jovem que acorda sem memória após sofrer um acidente aéreo que a deixou sozinha no meio do deserto. Sem nenhum sinal do marido e dos companheiros que estavam com ela a bordo da aeronave, ela parte em busca de sua equipe, embarcando numa misteriosa e apavorante jornada que se torna cada vez mais sinistra conforme suas memórias voltam à tona.
Desde o seu início, o título nos apresenta conceitos clássicos da franquia Amnesia, que nos seguirão por toda a aventura. E já começa pelo fato de que devemos evitar lugares escuros. E qual o elemento mais importante para se evitar locais sombrios aqui: fósforos. Esses itens que tiveram sua função ampliada aqui, pois se no game de 2010 cada fósforo acendia apenas um fornecedor de luz, seja uma vela, uma lamparina ou uma tocha. Quando acionarmos o item no novo game, vemos o fósforo aceso nas mãos de Tasi e podemos acionar quantas fontes de luz quisermos até que ele se apague.
Esse sistema dá mais liberdade ao jogador, mas também traz uma boa dose de tensão ao nos colocar constantemente frente a um dilema. Como os fósforos se apagam mais rápido quando você se movimenta, sempre temos que ponderar se vale a pena andar mais devagar para acender as fontes de luz mais próximas ou se apertarmos o passo e nos aventuramos mais na escuridão para ver se encontramos algum outro ponto de iluminação.
Some isso a uma quantidade limitada de fósforo que podemos carregar e temos um sistema que funciona muito bem em gerar tensão e um sentimento de urgência constante no jogador. Ficar no escuro traz uma sensação de desconforto e apreensão em Amnesia: Rebirth, que passa a brincar com os sentidos do jogador toda vez que nos aventuramos na escuridão. Imagens aparecem subitamente na tela nos deixam cada vez mais ansiosos.
Felizmente, o game intercala esses pontos de tensão com momentos de respiro, em que devemos apenas explorar os ambientes com uma boa dose de liberdade. O título aposta numa interação com praticamente todos os elementos em tela, desde recipientes que podemos abrir, até objetivos que podemos manipular para obter mais informações, como olhar a parte de traz de uma foto.
O game brinca com esse elemento para propor desafios lógicos ao jogador, trocando a complexidade de seus desafios pela dose de trabalho físico que precisamos fazer para superá-los. Provações que às vezes são literalmente tão simples quanto trocar uma tomada de lugar, mas que se tornam interessantes pela forma como temos que manualmente tirar a tomada do seu plug, descobrir um jeito de levá-la até um ponto onde ela claramente não chega, para então plugá-la no lugar certo.
É essa interação com os cenários que torna os ambientes do game tão interessantes e críveis, pois fazem com que esses desafios lógicos se integrem ao contesto do local. Assim, eles ajudam a contar mais sobre a história da área onde estamos, contribuindo ainda mais para criar uma ambientação interessante e imersiva.
Apesar de funcionarem muito bem, o uso dos fósforos e os desafios contextuais que temos no jogo são expansões de elementos que a Frictional já tinha apresentado em outros títulos, incluindo o primeiro Amnesia. A verdadeira aposta que o estúdio faz neste game está na forma como ele busca estabelecer uma conexão com o jogador através da sua protagonista e como ele usa isso para gerar tensão e medo em quem está segurando o controle.
E aqui, infelizmente, vou ter que dar um spoiler do game, algo que é apresentado ainda no primeiro terço da aventura e serve de base para toda a experiência do jogo quer passar. Realmente não acho que isto estrague a experiência do título, mas não custa avisar que vou entrar num terreno delicado e se não quiser saber volte aqui quando tiver jogado o título.
Ainda está comigo? Então tudo bem, vamos lá.
Tali descobre que está grávida em determinado ponto do game. Peço desculpas por estragar esta surpresa, porém eu simplesmente não estaria cumprindo meu papel neste texto se não falasse sobre isso, pois toda a experiência que o game quer passar é baseada neste elemento.
Ao apresentar a gravidez de sua protagonista, a estrutura do jogo muda de várias formas, a começar pelo modo como ele brinca com este elemento do âmbito psicológico, já que mulheres grávidas naturalmente nos despertam um sentimento de proteção. Mas o “pulo do gato” aqui é que ele transforma a gravidez numa mecânica do game, ao nos permitir fazer com que Tasi segure a própria barriga e sinta sua criança, uma ação construída para trazer um sentimento de calma à heroína e ao próprio jogador. E isso tem uma função prática durante a campanha.
Amnesia: Rebirth usa esta estratégia não só para amparar seu gameplay, mas para criar uma relação entre você, Tasi e o seu bebê e assim nos provocar uma sensação de preocupação que nos prende e aterroriza.
Esse é um vínculo que o game trabalha aos poucos, pelo modo como sua protagonista fala com sua criança, como ele nos incentiva a fazer com que ela o sinta, e outras ações que geram um vínculo que me despertou um sentimento muito interessante e que raramente experimento num jogo de terror. E está aí justamente o motivo de Amnesia: Rebirth merecer sua atenção: a forma como ele não quer que sintamos medo apenas de monstros ou do terror passageiro do susto, mas pelo modo que ele quer que experimentemos um temor genuíno de que a relação que construímos com aqueles personagens seja quebrada e que algo de ruim aconteça com eles.
É uma experiência que o jogo cumpre de forma muito competente e que deveria ser mais explorada no mundo dos games.
Amnesia: Rebirth foi lançado em outubro de 2020 pelo estúdio sueco Frictional para PlayStation 4 e PC.
(Rafael Barbosa)