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Nunca entendi como a franquia A Bruxa de Blair continua voltando de tempos em tempos. Embora o primeiro filme da saga ainda se mantenha em boa forma, mesmo após 20 anos, é inegável que a série caiu no esquecimento após duas continuações horríveis, que não conseguiram replicar o que tornou o filme de 1999 tão especial.
Talvez este novo Bruxa de Blair tenha chegado justamente para tentar replicar um pouco daquela experiência aterrorizante que descobrimos nos cinemas há tantos anos, enquanto comemora as duas décadas de lançamento do longa que se tornou um dos grandes influenciadores do gênero horror.
Porém, este título tenta cumprir estes objetivos a sua própria maneira, trazendo referências à mitologia construída ao longo dos anos, mas buscando apresentar sua própria história sobre a entidade que assombra os bosques de Burkesville.
Aqui controlamos Ellis Lynch, um patrulheiro com um passado conturbado que chega à floresta para ajudar um grupo de buscas a encontrar um jovem que desapareceu na região recentemente. Mas ao entrar na mata com seu fiel cão Bullet, o protagonista passa a enfrentar estranhos acontecimentos sobrenaturais que parecem fazer de tudo para que ele não nunca mais deixe aquele local.
Desenvolvido pelo estúdio polonês Bloober Team, o game usa toda a experiência da equipe responsável por jogos como Layers of Fear e Observer para construir um clima de horror psicológico que se tornou a marca registrada da equipe. Sendo um jogo focado basicamente na exploração, o game usa sua ambientação de forma competente para provocar tensão no jogador, enquanto ele é obrigado a se aventurar por ambientes nada amigáveis.
É bom ver que a Bloober continua a deixar os sustos baratos de lado, dando prioridade a construção de uma atmosfera tensa e opressora. Apesar de circularmos por ambientes abertos, na maior parte do tempo a floresta do jogo é representada como um lugar opressivo e claustrofóbico, com árvores que parecem se fechar sobre o jogador, não deixando que ele nem mesmo veja o céu. Isso cria um ambiente tão desolado e inóspito que se torna um prato cheio para uma viagem rumo à insanidade.
A Bruxa de Blair sempre foi um filme que brilhou pela sua abordagem “duvidosa” com relação aos fatos que retrata. Apesar dos horrores pelos quais os protagonistas passam no filme de 1999, nunca fica realmente claro se os eventos retratados no longa são sobrenaturais ou se aqueles jovens simplesmente estão sendo perseguidos por algum maluco.
Dado o histórico de vida de Ellis, o início do game brinca com a sensação de o jogador em nunca saber com certeza se os eventos diabólicos que passamos a presenciar estão mesmo ocorrendo ou se simplesmente são o fruto da imaginação do protagonista, que começa a testemunhar episódios cada vez mais bizarros.
É justamente por isso que a inclusão de “combates” no game se mostra tão decepcionante: temos que acionar nossa lanterna para afugentar criaturas que aparecem nas sombras, prontas para atacar o herói. Momentos maçantes e pouco inspirados, que parecem ter sido inseridos de forma quase displicente no desenvolvimento do game por trazerem uma proposta simplória e sem grande desafio, em que apenas temos que iluminar o alvo para ele ir embora.
Esse é um elemento que poderia facilmente ser retirado do título e que além de não fazer diferença nenhuma na experiência do jogo, faz com que ele perca muito do seu apelo ao seguir o triste exemplo da própria franquia de filmes, que em suas continuações também preferiu criar uma criatura para perseguir os heróis, em vez de investir em elementos mais interessantes.
Felizmente, o game traz momentos bem resolvidos na maior parte do tempo. Com um foco muito claro na exploração, o jogo consiste basicamente em explorar os cenários e buscar um jeito de avançar, encontrando aqui e ali um enigma que precisa de solução, que aparecem na maioria das vezes na forma de fitas de vídeo.
Os aparatos têm a habilidade de mudar a realidade quando as imagens são pausadas nos momentos certos. Se um caminho parece bloqueado, basta ver o vídeo daquele local até o momento em que a passagem está livre e - tchan-tchan-tchan-tchan! - o local está magicamente liberado para passarmos.
São desafios que estão entre os melhores momentos do título e que renderem uma divertida interação com os cenários. Embora não sejam particularmente desafiadores, contribuem ainda mais para o clima sobrenatural e imprevisível do game.
Outro ponto certeiro está na forma em que o jogo conduz sua narrativa e no modo como ele trata o companheiro do seu protagonista. Bullet é, em muitos sentidos, a alma do game, já que o animalzinho não é apenas simpático, mas também é o agente responsável por levar a aventura adiante.
Sempre ao nosso lado, o pastor alemão está constantemente circulando pelo cenário, encontrando itens ou apontando a direção onde devemos seguir. Rapidamente o game deixa claro que interagir com o pet é essencial. Estamos constantemente lhe dando comandos, seja mandando ele farejar algo para seguir um rastro, até lhe dar uma gostosa guloseima ou um carinhoso afago após um serviço bem executado.
Mas o cão cumpre uma função que vai além do mero gameplay, sendo também um item narrativo importante ao ser a única companhia do jogador ao longo da sua campanha. É a âncora que liga Ellis ao mundo real, em meio ao pesadelos sobrenaturais nas quais ele se encontra.
Desse modo, rapidamente nos afeiçoamos ao animalzinho e não foram poucas as vezes em que lhe dei um carinho ou um petisco, seja para recompensá-lo após uma tarefa cumprida, ou apenas para ver uma demonstração de carinho mútuo entre Ellis e seu amigo animal, o que ajudava a quebrar a tensão do game.
Ao final, a Bloober Team se mostra a escolha perfeita para trabalhar neste projeto pelo seu roteiro competente e a forma como conduz sua narrativa. A criadora de Layers of Fear mantem aqui sua boa forma com uma abordagem competente e que investe na constante tensão, em vez de sustos baratos, criando uma base sólida para o roteiro do jogo retatar a provação psicológica extrema que Ellis acaba tendo que passar ao entrar na floresta.
O estúdio sempre gostou de investir no lado psicológico de seus games, algo que encaixa bem com a franquia e assim leva o jogador a uma interessante viagem pela loucura, com mudanças bruscas de cenários e flashbacks macabros que não apenas relatam um pouco da história do personagem, como também sua luta contra a insanidade que a floresta tenta lhe impor.
Com uma aventura curta e direta ao ponto, o game cria uma experiência competente, embora se estenda em seus momentos finais, que é desnecessariamente longa. Ali, o jogo assume uma estrutura linear e que se mostra rapidamente cansativa: 25 minutos parecem durar mais de uma hora.
Apesar da história de terror que consegue assustar e prender o jogador à cadeira com sua tensão constante, infelizmente o game parece acanhado em usar todo o potencial da franquia em que se baseia.
Existem poucas referências claras ao filme de 1999 e, pior de tudo, o game faz muito pouco para expandir a “mitologia” criada pelo filme, perdendo a oportunidade de dar sua contribuição àquele universo, resultando em uma história que, apesar de boa, não diz nada de novo sobre a bruxa que assombra a floresta de Burkesville.
Isso acaba nos trazendo um dilema interessante, já que torna este game uma ótima pedida para os amantes de jogos de horror, mas não necessariamente para os fãs de franquia.
No final, A Bruxa de Blair é o título competente, apesar de alguns tropeços aqui e ali. Talvez ele seja justamente o que a franquia precisava para voltar a boa forma e fico feliz que ela tenha encontrado nos games um ambiente interessante para se reinventar e talvez ter o tratamento que o mundo cinematográfico não conseguiu lhe dar.
FICHA TÉCNICA
Desenvolvedor: Bloober Team
Editora: Lionsgate Games
Plataformas: PC e Xbox One
Lançamento: 30/8/2019
(Rafael Barbosa)